sábado, outubro 16, 2010

Antes que Eles Cresçam

Recebi este texto há quase quatro anos e guardei numa folhinha. Hoje o encontrei e resolvi compartilhar com vocês aqui. Espero que gostem.

Antes que eles cresçam

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos. É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença.
Mas não crescem todos os dias de igual maneira; crescem de repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha, que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica, desobediência civil. E agora você está ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Entre hambúrgueres e refrigerantes lá estão nossos filhos, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros nus, ou, então, com a blusa amarrada. Está quente, achamos que vão estragar a blusa, mas não tem jeito, é o emblema da geração.
Pois ali estamos, com os cabelos já embranquecidos. Esses são só filhos que conseguimos gerar apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e das ditaduras das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando nossos muitos erros.
Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
Não mais os colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, do inglês, da natação, do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante das próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer, para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençois da infância e o adolescente cobertor, naquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais antes que eles cresçam.
Autor: Affonso Romano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário