terça-feira, agosto 02, 2016

As Duas Faces do Perdão

Perdão é um dos assuntos dos quais fujo. Não que tenha ofendido gravemente alguém ou que tenha sido seriamente ferida. Acho que me pareço muito com os discípulos, que disseram ao Mestre: “Quantas vezes temos de perdoar?”. Ele respondeu: “Setenta vezes sete.” E eles concluíram: “Aumenta-nos a fé.” É por aí, assunto complicado mesmo. Mas quando chega o capítulo sobre perdão na Bíblia não há como fugir. Então, enfrentemos a questão.

Creio sinceramente que a oração do Pai Nosso contém exatamente tudo que deveríamos dizer a Deus. É simples, rápida e poderosa. Cronometrei hoje o tempo que levamos para fazê-la. Falando bem devagar, menos de um minuto. Veja bem, a oração que Jesus ensinou leva menos de um minuto para ser feita e contém uma diretriz perfeita dos assuntos que eu não deveria me esquecer de abordar com Deus. Puxa vida, é simples mesmo orar!


Hoje quero falar sobre uma pequena parte dessa oração, que é a questão do perdão. Jesus disse: Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores(Mt 6.12). Ouvindo uma meditação sobre esse versículo, aprendi algo valiosíssimo: as duas faces do perdão. Meditemos no assunto.


Pelo próprio texto, uma pessoa pode ser ao mesmo tempo devedora e credora. A mesma pessoa que diz: perdoa as nossas dívidas deve estabelecer o padrão: no mesmo montante em que perdoamos os nossos devedores, ou seja, ela é ao mesmo tempo devedora e credora. Esse fato é exemplificado por Jesus em uma história bíblica. Aqui está:


Por isso, o Reino dos céus é como um rei que desejava acertar contas com seus servos. Quando começou o acerto, foi trazido à sua presença um que lhe devia uma enorme quantidade de prata. Como não tinha condições de pagar, o senhor ordenou que ele, sua mulher, seus filhos e tudo o que ele possuía fossem vendidos para pagar a dívida. O servo prostrou-se diante dele e lhe implorou: ‘Tem paciência comigo, e eu te pagarei tudo’. O senhor daquele servo teve compaixão dele, cancelou a dívida e o deixou ir. Mas, quando aquele servo saiu, encontrou um de seus conservos, que lhe devia cem denários. Agarrou-o e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Pague-me o que me deve!’ Então o seu conservo caiu de joelhos e implorou-lhe: ‘Tenha paciência comigo, e eu pagarei a você’. Mas ele não quis. Antes, saiu e mandou lançá-lo na prisão, até que pagasse a dívida
 (Mt 18.23-30).

Existem duas coisas que podem ser igualmente danosas: uma dívida impagável ou um crédito impagável. Um crédito impagável pode ser problema? Sim, ainda maior do que a dívida.


Na história acima, um homem tinha uma dívida enorme e a ausência de seu pagamento poderia comprometer até mesmo a liberdade de sua família. Com certeza, quem tem uma dívida assim não consegue dormir. Como resolver uma dívida impagável? O homem chegou ao seu senhor humildemente e pediu que fosse perdoado. Simples e poderoso: conseguiu.


Reconhecer seus erros e implorar misericórdia é sábio. Dever muito pode acontecer com qualquer um, mas é preciso coragem e caráter para admitir, se humilhar, negociar, nem que seja apenas pedindo perdão. Nossa dívida para com Deus era assim: impagável, mas não inexplicável. Quem se achegar a Deus precisa reconhecer-se devedor, confessar e deixar. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados (I Jo 1.9). Não é porque somos salvos por graça que não temos a obrigação de admitir os nossos erros e pedir misericórdia. Assim devemos fazer para com Deus, assim devemos fazer para com o próximo.


Agora vem o outro lado da moeda: quando somos credores de uma dívida impagável. Acho que a situação é um pouco mais complicada. É fácil ser humilde para pedir perdão, difícil mesmo é ser clemente e perdoar. O mesmo homem que tinha uma dívida impagável era também credor de alguém que não podia reparar seu dano. Ele soube pedir perdão, mas não soube perdoar. 


É interessante ver como Deus uniu as duas situações no mesmo peso: “perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos”, ou seja, quem pede perdão deve dar perdão – os misericordiosos alcançarão misericórdia; aos incompassivos, porém, o rigor da lei.


Pedir perdão e perdoar são as duas faces de uma mesma moeda. Sobre perdoar, há um versículo que me impressiona: Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me lembro (Is 53.25). Deus disse que apaga as nossas transgressões por amor dEle mesmo. Se isso vale para Deus, deve valer para mim. Por amor de mim, eu devo perdoar. Ou seja, o perdão é um benefício que faço a mim mesma. Deus me adverte a perdoar, primeiro, por causa de mim mesma, da minha saúde, da minha alegria, da minha paz, causa do meu sono... Quem mantém o outro preso está igualmente enredado.


Perdão é a solução de Deus para uma dívida impagável e também para um crédito que não poderá ser jamais satisfeito, portanto, não adianta ser exigido. Não podemos perder a nossa paz por conta de algo que jamais conseguirão reparar. Por amor a nós mesmos, é preciso abrir mão das notas promissórias...


Selá! (Pausa para meditação.)